Pesquisador da USP, virmondense Geovane Fedrecheski fala sobre seu estudo na área de Internet das Coisas
Você já se perguntou como seria um longo período de recessão como o atual, sem a Internet das coisas, a (AI) Artificial Intelligence?
Sobre o tema, a reportagem de Comcafé entrevistou o virmondense Geovane Fedrecheski, que é doutorando pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), cuja pesquisa é na área de Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês), que trata da conexão de qualquer coisa à Internet. Conforme explica Geovane, seu estudo investiga e desenvolve soluções que permitem que a IoT seja ao mesmo tempo segura (contra hackers ou dispositivos maliciosos) e fácil de usar. Fala ainda sobre a importância do protagonismo popular na utilização e inovação das tecnologias já disponíveis, bem como de sua trajetória como pesquisador. Acompanhe a entrevista realizada nesta quarta-feira (15).
Comcafé: A internet das coisas, que você expôs resumidamente, noutro dia que conversamos, me remeteu à importância desta no dia a dia, mas sobretudo em períodos como este da pandemia, proporcionando que tudo aconteça, mesmo que virtualmente.
Geovane: Legal, então, o que eu acho que fica muito claro nesse cenário é a importância da inovação e a velocidade com que ela está acontecendo. Apesar de toda inovação ser uma melhora incremental, nos últimos anos a cadência é tão acelerada, que o seu acúmulo tem gerado mudanças inimagináveis poucos anos atrás. E o mais interessante é que mesmo nós aqui estando “no interior”, recebemos rapidamente essa “remessa de mudança”. O que falta agora é nós nos tornarmos mais ativos na construção da inovação.
Comcafé: Podemos dizer que não existe mais interior, nessa perspectiva?
Geovane: Exato.
Comcafé: A internet é a mãe ou a razão da globalização?
Geovane: Acho que é mais para uma impulsionadora democrática. Tínhamos difusão cultural global em aceleração desde antes da Internet, mas esta esteve sempre nas mãos de grandes empresas, emissoras de rádio e tv por exemplo. Agora até mesmo uma criança de 10 anos pode criar conteúdo e publicar para o mundo todo. Vimos muito isso acontecer com a ascensão do YouTube na última década, e a tendência é expandir mais, nessa e em outras plataformas (que ainda virão).
Comcafé: Vi num seriado (Black Mirror), recentemente, um episódio em que robôs comandavam tudo. Até onde você prevê que os avanços digitais podem chegar?
Geovane: Essa pergunta é boa rs. A resposta entediante, mas mais fácil: muito longe, estamos apenas no comecinho. Em 1910 as pessoas rosqueavam fios de eletricidade em bocais de lâmpada para ligar a máquina de lavar — a tomada ainda não havia sido inventada. Claro, no mundo digital já tivemos muitas “tomadas” inventadas, mas ainda teremos um longo, muito longo caminho…
Agora, se for pra fazer algumas apostas… Vejo uma simbiose humano-máquina pra começar. É só pensar em como nós estamos sempre querendo que a máquina nos ajude, e até onde podemos chegar. A pesquisa do meu orientador em Berkeley é exatamente isso, uma “internet no seu corpo”. Temos ainda empresas como a Neuralink do Elon Musk criando interfaces cerebrais para não precisar mais de teclado e mouse. Por fim, não acho que a AI vai ficar consciente ou algo assim, no máximo ter trejeitos humanizados algorítmicos.
Comcafé: Bem, quando lembrei da ficção científica de Black Mirror, toquei no que nos causa estranhamento em relação à internet, mesmo que adoremos tudo o que ela nos facilita. Mas também tem avanços que queremos que evolua muito mais, na saúde, por exemplo. Há uma área em que a tecnologia já atingiu seu objetivo? Ou não há limites para os objetivos da tecnologia?
Geovane: Temos diversos equipamentos na área da saúde que são tecnológicos, e salvam vidas diariamente. Desde um medidor de glicose portátil até respiradores que ficam em UTIs. Mas, mesmo assim, a inovação não para. Na USP, por exemplo, estamos desenvolvendo o respirador Inspire, com preço muito abaixo do mercado, e com capacidades de coleta de dados anonimizados, o que permite inferência estatística e melhorias no funcionamento do próprio respirador. Os objetivos em última instância são sempre do ser humano, queremos resolver algum problema ou ineficiência, olhamos para as técnicas disponíveis, e decidimos se vale a pena o investimento necessário. Eu acho importante respeitar os limites éticos (enorme discussão à parte), mas fora isso, os limites são o que a física e a economia nos impõem.
Comcafé: Então a AI é só um recurso otimizado do próprio ser humano. E por isso, muitas vezes até confundimos quem comanda quem, ou o que?
Geovane: Sim, usamos a AI como um agricultor usa um trator, pois lhe facilita a vida (por sinal, já tem muito trator com AI…). Há uma questão psicológica e evolutiva ao tratar da interação humano x tecnologia, por exemplo, ainda temos dificuldades para dimensionar o tempo gasto com um aparelhinho que cabe no bolso e pode nos dar acesso à informação de todo o globo. A AI pode melhorar ou piorar isso, dependendo dos incentivos de quem estiver desenvolvendo. Eu acho que os filmes, seriados e livros sobre o assunto são ótimos para nos alertar nesse sentido. Os computadores não precisam ter consciência, apenas serem interessantes o suficiente, para “controlar”. Cabe a nós buscar entender isso e controlar, assim como controlamos o que comemos, bebemos, etc.
Comcafé: Nesse caso, a AI é um recurso disponível tal qual os outros capitais a disposição do “homem” ($, Terra, água e outros minerais), acessa-se de acordo com a condição de acessar. Mas a internet, por exemplo nos parece mais acessível. Por que será, temos essa sensação? É real essa facilidade de acesso? Me refiro ainda à própria dificuldade que uma gama da população tem, inclusive, em poder explorar tal recurso. O que a tecnologia pode fazer em prol dela própria, nesse sentido?
Geovane: Se for dar um palpite, a sensação pode vir da facilidade e empoderamento para comunicação. Uma vez “dentro”, ou seja tendo acesso a um dispositivo computacional conectado, independente da circunstância, você estabelece canais de comunicação como bem entender. Novamente podemos contrastar com o rádio e a tv, que são meios unidirecionais. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas no geral penso que há expansão e democratização no acesso.
Comcafé: Quando contrastamos com o rádio e TV, me ocorre que a dificuldade em fazer uso da AI, esteja no legado destes precursores. Isto por termos cultivado um comportamento passivo em relação à comunicação, por exemplo. Assim, estamos em transição para sermos sujeitos da ação?
Geovane: Sem dúvidas, mas ao mesmo tempo há um know how enorme sobre comunicação nesse setor, que pode ser direcionado conforme o soprar dos ventos. Acho que um exemplo interessante são criadores e criadoras de conteúdo. Por exemplo a Nath Finanças, é um canal no YouTube que ensina inteligência financeira para pessoas de baixa renda. https://www.youtube.com/c/NathFinanças
Comcafé: As grandes corporações da área de comunicação, ainda são soberanas porque migraram rapidamente para as plataformas digitais, mas já sentem que as contradições de uma informação podem ser refutadas imediatamente pelos seus seguidores.
Geovane: Com certeza
Comcafé: Bem, quero deixá-lo a vontade para discorrer sobre o que realmente considera importante que chegue nas pessoas como reflexão sobre a internet e as tecnologias que ela aporta, assim como dos caminhos que te levaram a ela.
Geovane: Acho que tem 2 pontos fundamentais aqui.
O primeiro é justamente a oportunidade que temos de sermos ativos tanto para consumir quanto para criar conteúdo. Esse é o maior poder da internet. Acho que podemos e devemos usufruir dele tanto para fins de lazer quanto para fins profissionais.
O segundo é sobre a fonte da inovação. Globalmente falando, quem cria tecnologia? Quem usa ou consome? Acho que precisamos alcançar mais protagonismo nessa área. O caminho a meu ver é pela educação cultural e tecnológica das crianças, afinal são elas que trazem todos os aspectos do nosso futuro.
Comcafé: Pode falar sobre sua trajetória como pesquisador?
Geovane: Hoje sou pesquisador e candidato a doutor na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, no grupo de pesquisas aplicadas em Enxames Computacionais. Minha pesquisa é na área de Internet das Coisas (IoT na sigla em inglês), que trata da conexão de qualquer coisa à Internet. Especificamente, investigo e desenvolvo soluções que permitem que a IoT seja ao mesmo tempo segura (contra hackers ou dispositivos maliciosos) e fácil de usar.
Comcafé: E quais os caminhos que o levaram a sua pesquisa atual?
Geovane: Sou filho de agricultores do interior de Virmond, sai de casa aos 16 para cursar Ciência da Computação na Unicentro em Guarapuava. Depois fui a São Paulo trabalhar como trainee na LG Electronics, onde fiquei por 2 anos. Resolvi buscar mais desafios, o que me levou ao mestrado e subsequente doutorado na USP, onde aprendi muito sobre inovação e pesquisa de ponta. Recentemente fiz doutorado sanduíche na universidade de Berkeley na California, onde expandi ainda mais os horizontes.
Comcafé: E qual foi seu maior aprendizado, até agora?
Acho que um dos maiores aprendizados foi observar o papel da cultura no desenvolvimento tecnológico e social de uma região. Isso acontece como um ciclo virtuoso em grandes pólos, mas acredito que pode ser replicado aqui e em outras regiões, especialmente nessa época onde a comunicação se tornou tão democrática e acessível.
Para quem tiver interesse, o perfil do Geovane no Google Scholar é: <https://scholar.google.com/citations?user=TBf0rLkAAAAJ&hl=en> E seus artigos (os que ele considera mais relevantes) podem ser acessados nos seguintes links:
1 – PID6464017%20-%20Fedrecheski%20et%20al.%20-%20SSI%20for%20IoT.pdf
2 – access-control-swarm.pdf
3 – swarm-economy.pdf